O vinho ideal
Ao concluir, um trabalho com cobaias, que a quantidade e os tipos de antioxidantes dos vinhos fazem toda a diferença no impacto da bebida no organismo, a professora Inar Castro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), se perguntou: como o consumidor, diante de tantas opções no supermercado, poderia fazer suas escolhas considerando estritamente o fator saúde?
Para provar que uma solução é possível, ela selecionou 666 vinhos tintos de quatro países — Brasil, Uruguai, Chile e Argentina — e criou um método para classificá-los em baixa, média ou alta funcionalidade. “Esse conceito diz respeito ao poder da bebida de gerar efeitos positivos ao corpo”, traduz Inar, especialista em ciência dos alimentos. O projeto já ganhou elogios. “Ele é importantíssimo porque reforça o valor dessa bebida à saúde”, opina Leila Costa, engenheira química da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
Entre as seis variedades de bebidas analisadas, as que tiveram o maior número de amostras de alta funcionalidade foram as das uvas tannat e malbec produzidas na Argentina e vendidas por no mínimo 15 dólares, algo em torno de 35 reais. Importante esclarecer que o resultado não dependeu exclusivamente da capacidade antioxidante dos famosos compostos fenólicos detectados nas garrafas.
“Eles fazem bem mais do que combater a oxidação por trás de danos às células”, justifica Inar. O resveratrol, ilustre representante do time, é um ótimo exemplo. “Há indícios de que ativa uma enzima chamada sirtuína, capaz de evitar inflamações e outros processos que levam ao câncer”, diz o químico André Souto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E, pelas evidências até o momento, o que importa é o tipo de substâncias que o vinho concentra, e não apenas a dose em que aparecem na taça. ©
por thais manarini
O caminho para o topo
Conheça os fatores que interferem no grau de benefícios que um vinho proporciona
MEIO AMBIENTE
Ele também interfere na concentração de antioxidantes. Vinícolas em locais altos, por exemplo, tendem a gerar uvas com maior teor destes elementos.
TIPO DE UVA
Por questões genéticas, uma fruta pode produzir mais compostos fenólicos (os famosos antioxidantes) do que outra.
MATURAÇÃO
Frutos maduros propiciam maior fermentação, formando mais álcool. E ele ajuda a extrair os antioxidantes da uva.
ARMAZENAMENTO
Quando o vinho é guardado em barris de carvalho, polifenóis da madeira podem se infiltrar na bebida. Aí, ponto para o vinho!
Um dos motivos que fizeram as bebidas provenientes da uva tannat brilharem no estudo atende pelo nome de tanino. “Trata-se de um polifenol poderoso e encontrado aos montes nessa variedade”, esclarece Gustavo Andrade de Paulo, gastroenterologista da Universidade Federal de São Paulo e diretor da Associação Brasileira de Sommeliers. Quanto ao país de origem da maioria dos vinhos considerados de alta funcionalidade, sabemos que é difícil de engolir, mas os argentinos ficaram na frente: seu país parece ter condições climáticas mais favoráveis e um processo de fabricação diferenciado, que culmina em porções caprichadas de substâncias do bem no líquido.
Com relação ao preço, não há o que reclamar. Os testes demonstraram que, a partir de determinado valor, inexiste ganho em termos de funcionalidade. “Percebemos que, para a saúde, na maioria das vezes tanto faz comprar um vinho de 50 ou 200 reais”, revela Inar. Os achados do trabalho da USP não obrigam, é claro, você sair por aí torcendo o nariz diante de garrafas de outros estilos, países ou preços. Até porque todas apresentam um ingrediente relativamente importante para as artérias: o álcool. “Em doses moderadas, ele é o responsável por 75 a 85% dos efeitos benéficos do vinho”, calcula Creina Stockley, farmacologista e gerente de informações para a saúde do Instituto Australiano de Pesquisa sobre Vinho.
No final das contas, a combinação de componentes que vai para a taça — em menor ou maior grau, é verdade — promove situações pra lá de bem-vindas, como a proteção contra doenças cardiovasculares. E são três os principais mecanismos capazes de explicá-la. “O vinho estimula a dilatação dos vasos sanguíneos e ajuda a evitar a formação de coágulos nas paredes das artérias e a elevar as taxas de HDL, o colesterol bom”, elenca o cardiologista Protásio da Luz, pesquisador do Instituto do Coração (InCor), na capital paulista.
Segundo Creina, o consumo (controlado!) de vinho ainda está associado a uma menor probabilidade de desenvolver diabete, doenças neurodegenerativas e certos tipos de câncer. “Na verdade, os estudos indicam que a bebida reduz o risco de mortalidade por todas as causas”, salienta. Isso, nunca é demais reforçar, em porções comedidas e regulares — ou seja, de uma a duas taças por dia e nada mais. Os exageros, mesmo que ocorram com vinhos de altíssima funcionalidade, só irão se refletir em dores de cabeça e outros tantos problemas.
TANNAT
Originaria da França, essa uva se adaptou muito bem ao Uruguai e à Argentina. Um dos elementos que mais chamam a atenção em seu vinho é o tanino, um potente polifenol. Cerca de metade das amostras de tannat (44%) figurou na lista da alta funcionalidade.
CABERNET SAUVIGNON
Trata-se da uva roxa mais famosa do mundo — até porque é fácil produzi-la em qualquer país. Na análise, 45 e 35% dos seus vinhos eram de média e alta funcionalidade, respectivamente.
SYRAH
Nascida no Oriente Médio, ela se deu bem na França, mas seu paraíso mesmo é a Austrália. O vinho da syrah é encorpado e aromático. Entre as garrafas avaliadas, boa parte (37%) foi considerada de alta funcionalidade.
CARMENERE
É bem semelhante à uva merlot. Mas a maturação da carménère não ocorre de forma homogénea, um dos motivos pelos quais é difícil produzir um vinho sensorialmente excepcional com ela. Metade das amostras se mostrou de média funcionalidade.
MERLOT
No Rio Grande do Sul, a fruta sofre com o ataque de um fungo, o que resulta na ativação do seu sistema de defesa. Com isso, há maior produção de resveratrol. O estudo mostrou que 42% dos exemplares eram de média funcionalidade.
MALBEC
Essa variedade de uva encontrou na Argentina condições perfeitas. Seus vinhos costumam se bem alcoolicos. A maioria das amostras de malbec do estudo (43%) foi identificada como de alta funcionalidade.
E o vinho branco?
Ele tem bem menos compostos fenólicos do que o tinto. Com exceção do rótulo Lorena Ativa, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, e comercializado em todo o Brasil, “Conseguimos aumentar em cinco vezes a concentração dessas substâncias”, conta Mauro Zanus, engenheiro agrónomo da Embrapa Uva e Vinho.